Hush | Capítulo Único.


Uma garota de cabelos e olhos negros, bochechas carnudas e lábios finos que eram realçados por um batom sem cor caminhava pela rua e distraia–se consigo mesma em tentativas de equilibrar–se na quina entre a calçada e rua.
Ela vestia um belo vestido azul clarinho e o único tênis que tinha desde seus catorze anos — um all star preto. Por um momento ela parou com algo que chamou sua atenção. Inclinou sua cabeça para o lado esquerdo e deu um sorriso já conhecido por toda a cidade. Há poucos metros da calçada em que estava parada avistou uma cena que, segundo as informações que tinha, não deveria estar acontecendo.
Uma velha amiga de infância cujo o afastamento foi causado pelos pais e um novo namorado estavam transando visivelmente da rua. O problema que via era que sua amiga era evangélica e tinha um voto de castidade a cumprir, ao menos, até os vinte e um anos.
A garota virou para o outro lado da rua e pegou o celular, acessou seu instagram e pegou o primeiro filtro do storie, tirou uma selfie de si mesma — e é claro, incluiu no fundo sua velha amiga com o rapaz que acabou com sua amizade. Na legenda um pouco inocente colocou “uma caminhada em pleno domingo de manhã” e assim publicou, deixando com que as próximas vinte e quatro horas que a publicação ficaria ali apenas respondesse por si só.
Ela olhou pela última vez o corpo do rapaz saindo pela janela entre beijos com sua amada e deu de ombros, voltando a caminhar pela calçada. A garota passou pelo mercado para comprar os pães que sua mãe pediu mais cedo porque era vésperas do Dia dos Veteranos e seu pai havia voltado a cidade em poucos dias por ser um veterano.
Demorou cerca de trinta minutos para que voltasse para casa, ela costuma se distrair muito entre uma coisa ou outra que despertava sua atenção.

— Selena! — Sua mãe exclamou ao entrar em casa. — Que demora.
— Estava dando uma caminhada. — Respondeu com um sorriso. — Onde está papai?
— Tomando banho. — Sua mãe respondeu pegando as coisas da sacola. — Esse ano iremos levar dois pratos para a festa na cidade e você poderia fazer seu bolo. — Sorriu ao lembrar do bolo que sua filha fazia.
— Eles não merecem nada disso. — Selena resmungou. — Quero dizer a cidade, não os veteranos. — Corrigiu rapidamente quando viu o olhar da sua mãe.

Selena foi até seu quarto e jogou–se de frente na cama, pegou seu celular e viu quantas visualizações sua foto já tinha. Em menos de uma hora e até mesmo antes do almoço cerca de 58 pessoas visualizaram, incluindo a melhor amiga da sua velha amiga.
Deixou o celular no outro lado da cama e fechou os olhos. Quando ouviu o som do chuveiro parar, deduziu que seu pai sairia a qualquer momento e após meses o veria. Ela correu para sua última gaveta e pegou algumas roupas velhas e sujas, mal serviam nela e ainda sim vestiu, passou um produto que parecia sangue falso pelo corpo e guardou tudo no mesmo lugar. Olhou para a maçaneta girar e jogou–se no chão, permanecendo imóvel e com os olhos abertos que depois de meio minutos começaram a arder por não piscar.

— Não! — Ouve um grito de seu pai. — Temos uma vítima aqui!

Ele pegou sua filha no colo e correu pela casa lançando ela no sofá.

— Corra, Mandy! — Chamou a mãe de Selena. — Ela ainda respira, pode sobreviver.
— Continuam com isso. — Mandy bufou.
— Oras, Mandy. — O homem extremamente musculoso levantou a filha. — É uma brincadeira.

Selena levantou do sofá e abraçou o pai forte. Ele a pegou no colo e os dois ficaram abraçados por longos minutos. Ele beijava os cabelos da filha e o coração de ambos pulsavam de pura saudade.

— Ela nunca quer brincar. — Selena revirou os olhos para a mãe.

Era uma brincadeira que já tinha virado costume. Desde criança, Selena viu–se obrigada a conviver sem a presença do pai. Ele era um soldado da marinha que serve há treze anos no Afeganistão. Uma vez quando Brian, pai de Selena, voltou para casa tudo dentro dele estava diferente. Ele contou a sua família que não tinha conseguido salvar uma pequena garota de tiros e ela tinha a idade da filha. Desde então, Selena brinca para seu pai salva-la e mesmo após anos, a essência da brincadeira é a mesma.
Brian e Mandy foram para a cozinha para fazer os preparativos, enquanto Selena arrumava algumas decorações que foi subordinada a fazer.
Horas passaram e seu pai contou todas as novidades que tinha do Afeganistão — suas vítimas, os combates, as famílias que salvaram. Cada palavra dita, encantava Selena e em troca elas contaram como estava a pequena cidade. Ao contrário de Brian, nada mudou em Corning.
Poucos minutos para sair de casa, em direção a casa dos Gomez, Selena avistou sua velha amiga junto de seus pais. Eram Diana e Patrick com sua filha, Demetria.

— Boa noite. — Brian sorriu. — Estão indo para a festa?
— Queremos conversar com vocês sobre o que sua filha fez essa manhã. — Patrick encarou Selena e falou com rispidez.
— O que Selena fez? — Mandy tomou frente.
— Demetria, dê esse celular. — Patrick arrancou o celular da filha e mostrou a selfie de Selena.
— O que que tem na foto de minha filha? — Brian forçou os olhos.
— Olhe bem, major! Sua filha expos Demetria a cidade.
— Não fiz nada disso. — Selena berrou nervosa. — É uma foto minha.
— Ao fundo com minha filha transando com seu namorado? — Patrick aproximou de Selena.
— Pode ter sido um mal-entendido, Patrick.
— Apague agora, garota! — Patrick levantou a mão e Brian afastou a filha.
— Nunca fale assim com minha filha, Patrick. Saia daqui que é melhor para você.
— Antes ela deve apagar esta foto. Expondo minha filha dessa maneira.

Demetria levantou a cabeça e mostrou um grande vergão vermelho e inchado em seu rosto. Todos deduziram que apanhou de seu pai, que era conhecido como conservador e rígido. Naquele momento, Selena arrependeu–se do seu ato, mas não desmentiu sua suposta inocência.
Ela pegou seu celular e acessou o instagram. Olhou para seu pai e apagou a foto vendo que até aquela hora tinha sido visualizado por mais de 100 seguidores.

— Pronto! — Selena mostrou com raiva.
— Agora vá, Patrick! — Brian apontou para a direção que vieram. — E nunca mais dirija a palavra a minha filha.
— Idiotas! Submissas! — Selena resmungou com raiva.
— Como pode fazer isso com ela, Selena? — Mandy agarrou a braço da filha. — Era sua amiga, aquilo no rosto dela é por sua culpa de não cuidar do seu nariz!
— Eu não fiz nada. — Selena tentou empurrar a mãe, mas falhou. — Era uma foto minha!
— Mentirosa! — Mandy gritou. — Volte para seu quarto e não saia de lá pelo resto da noite.
— Mandy...
— Você não está aqui para ver o que sua filha apronta com os outros.
— E o que você apronta, não é, mãe? — Selena bateu os pés até a porta. — Conte a ele ou contarei eu o que faz com ele está mundo afora salvando crianças.
— Do que está falando, Selena? — Brian tentou aproximar-se da filha e olhou para a esposa.
— Selena, vá para seu quarto agora! — Mandy ordenou.

Ao entrar na casa foi até seu quarto e trancou a porta. No lado de fora, não era possível ouvir nada até ter gritos de discussão.
Sua mãe, Mandy, sentia-se em apuros e traída pela confiança da própria filha. Não era para menos, cinco semanas atrás Selena flagrou sua mãe aos amassos com um grande amigo do pai e veterano, Tommy. Mandy pediu que sua filha não contasse ao pai, mas Selena sabia que era errado e assim fez.
Selena tinha um péssimo senso de julgamento. O que julgava ser certo ou errado era de longe hipócrita, mas não via dessa maneira. Ao mesmo tempo, Selena parecia ser colocada em lugares e horas que não eram favoráveis para ninguém, muito menos para ela e ainda assim não percebia que tão pouco deveria falar qualquer coisa. No seu péssimo senso, só uma pessoa prestava no seu círculo social: seu pai.

— Selena nós iremos para a festa. — Brian abriu a porta do quarto da filha. — Vamos.

Mandy virou o rosto para filha ao passarem por eles e saindo de casa, Brian abraçou a filha.

— Vamos a pé.... Uma caminhada. — Disse e Selena concordou. — Porque fez aquilo com Demi e não diga que não viu. Desde pequena você é uma ótima observadora.
— Eu não sei... — Selena respondeu. — Não parecia certo.
— E é certo o que o pai dela fez com ela? — Brian olhou para filha com a feição dura.
— Não e acredito que poderíamos denunciá-lo. — Selena ergueu a voz determinada.
— Mas isso não é de nossa conta, Selena. — Brian parou a filha. — Você acabou de jogar a verdade sobre sua mãe e Tommy na minha cara, sem ao menos saber o que faria.
— Contei a verdade. Só isso que faço. — Selena afirmou. — E ela confirmou, traiu você. Deveríamos deixa-la.
— Você conta meias verdades as pessoas e não é certo fazer isso. — Brian voltou a andar com a filha. — Quando ver uma coisa como sua amiga Demi transando ou sua mãe me traindo ou outras coisas que sei que fez. Pense nas consequências, nas razões e uma vez pergunte a si mesmo antes de agir: “é da minha conta?”
— Pai... Está decepcionado comigo?
— Um pouco, sim. — Ele sorriu. — As pessoas mentem Selena, muito e são más. Mas também há pessoas que falam a verdade e são más, como você fez hoje com Demi.
— Ela parou de falar comigo porque diz que não presto. — Selena revirou os olhos. — Por causa de Joseph, seu namorado não tanto puritano.
— Selena, isso não é da sua conta. — Brian riu. — Você vê coisas, observar atitudes e sabe, mas isso não quer dizer que deva tomar a frente.

A garota concordou com a cabeça e prometeu cuidar da sua vida a partir dali. Mas sua promessa não durou duas horas, ao chegar no grande salão de festas da prefeitura, muitos olharam para eles, entre sorrisos e caras feias. A história de Demi já tinha se espalhado e a grande responsável pela vergonha da filha prodígio dos Lovato estava bem na porta de entrada.
Talvez Brian não soubesse ou finge não saber para não magoar ainda mais a filha por decepção, mas Selena já tinha sido responsável por grandes segredos revelados como de seu professor de Literatura, Antonnie, ser gay e trair sua mulher com o professor substituído de Química dentro do colégio. Era verdade e isso causou um divórcio turbulento e transferências na escola por professores gays. Ou na vez que Selena espalhou que tinha ratos e baratas na dispensa do mercado do Sr. Jonas fazendo com que a limpeza sanitária confirmasse e fechasse o estabelecimento. Também teve a noite que Selena flagrou o filho do prefeito com a irmã da própria namorada, as gêmeas Mariane e Marie — naquela noite o rapaz disse que foi enganado e uma das gêmeas se mudou para outro Estado, mas Selena sabia que não era nenhum engano quando ouviu o rapaz falando certo o nome da cunhada.
É justo dizer que Selena não era uma fofoqueira em ver uma coisa e no mesmo segundo sair dizendo, como Demi, poderia afirmar que foi pura vingança, mas em outras situações que via, guardava para um melhor momento. O incrível de Selena ainda falar e falar é que tudo que diz, em certo ponto, é verdade. Quando namorava um rapaz, terminaram por essa exata razão e não demorou tanto para o rapaz perder toda a credibilidade por Selena contar que ele a traia.
Brian abraçou a filha pelos ombros e caminhou com ela cumprindo quem o conhecia. Ela respirou fundo diversas vezes para não deixar intimidar pelos colegas de escola dela.
Selena afastou-se do pai para falar com um amigo, Justin, que servia um ponche para si mesmo e ao avistar Selena, pegou outro para ela. Eles cumprimentaram e ela virou para mesa servindo alguns salgados.

— Estão falando de você. — Ele riu. — De novo.
— Imagino. — Selena deu de ombros. — Cadê sua mãe?
— Ficou em casa. — Ele respondeu meio entretecido. — Ela não está nada bem desde a quimioterapia.
— Sinto muito por isso. — Selena abraçou rapidamente o amigo. — Acho que meu pai não fará nada em relação a minha mãe.
— Deixe que os adultos resolvam isso, Selena. — Justin respondeu rapidamente. — Não vire agora, mas as garotas estão vindo em nossa direção.

Selena largou o ponche e virou fazendo com que Justin balançasse a cabeça em negação. Era Demetria com os cabelos na frente do rosto e sua melhor amiga Miley.

— E a Gomez agiu novamente. — Miley empurrou Selena para pegar o ponche.

A garota permaneceu quieta, mas com o mesmo sorriso no rosto. Ela tentou faltar atenção ao Justin, mas Miley esbarrou novamente nela derramando em seu vestido.
Selena abriu os braços e olhando a si mesma toda suja. Estava em um belo vestido branco na altura dos joelhos e fora sujo por um ponche cor de vinho que jamais sairá novamente.

— Vamos, Demi! — Miley riu e puxou a amiga.
— Miley! — Selena a chamou desafiadora. — Onde está Liam?
— O que quer, Selena. Mais uma mentira? Ou mais uma revelação? — Miley dizia debochada.
— Não. — Selena deu de ombros. — Pergunto porque quero deseja-lo boa sorte.
— O que? — Miley aproximou–se de Selena com raiva em seus olhos.
— Boa sorte. — Selena repetia sínica. — Ele engravidou Thamires von Showender. Não sabia?
— Outra mentira. — Miley riu.
— Eram do mesmo time de futebol, viajavam juntos. Quando era do time lembro–me bem dos dois sentados juntos nos últimos bancos dos ônibus, ela não dormia no quarto do hotel. Ela mudou-se de cidade faz três meses e é engraçado que Liam viajada quase todo final de semana faz três meses. — Selena deu de ombros. — Acho que não é uma mentira, mas eu acho que é uma menina.
Miley levantou a mão para bater no rosto de Selena, mas Demi segurou apontando para todos que olhavam para aquela mesa.
— Mande boa sorte ao Liam. — Selena pegou seu copo novamente e puxou Justin. — E você, como sempre, burra de não perceber.

Selena achou os olhos de seus pais no meio de uma multidão. Os olhos dele eram azuis e mostravam decepção. A garota sentiu seu coração partir e dividindo entre arrependimento e não arrependimento.
Saiu do salão de festas e sentiu uma grande frente fria invadir seu corpo. Ela tossiu e saiu andando sozinha para a casa, era quase 4km andando e ao contrário de como foi na ida com seu pai conversando juntos, a volta foi sozinha e fria. Calafrios e dores nos pés, Selena entrou dentro de casa e estava tudo apagado. Sem acender nenhuma lâmpada, foi para seu quarto e deitou com o vestido sujo e grudento.

— Merda de dia. — Exclamou pela última vez até dormir.

***
Selena acordou e voltou a dormir, ao menos, três vezes até que seu despertador tocou pela última vez antes de desligar. Ela olhou para a tela do celular e viu uma pequena arvore na sua escrivaninha. Ela sentou na cama e bocejou duas vezes antes de levantar e ir até ela. Girando o pequeno suporte que segurava a arvore, cheirou para ver se era verdadeira. E era, suas folhas verdes vivas eram cintilantes e o tronco marrom bem firme. Ela sorriu e tinha ao lado uma pequena carta escrita em um pergaminho bem velho. Ao tocar, ele desmanchava em suas mãos fazendo com que Selena leia rápido o bilhete.

— Mil palavras até calar-se para sempre. Faça o certo e falará, ao contrário, cala-se para sempre. — Leu antes do bilhete sumir em suas mãos. — O que? — Ela riu.
Olhou para arvore novamente e algumas folhas caíram em volta de sua escrivaninha. As folhas que brilhavam tornaram–se secas. Ela pegou uma e viu que já estava morta.
— Que pena...

Mais duas folhas caíram.
Selena aproximou-se da arvore desconfiada e apenas sorriu. Virou as costas e saiu do quarto a caminho do banheiro. No relógio que ficava no final do corredor ficou que estava atrasada para o colégio e aprontou-se rapidamente. Viu pelo canto do olho o silencio por toda sua casa, seus pais não conversavam e nem deram bom dia ao ver a garota passando pela casa procurando seus materiais. Mas Selena reparou que os olhos de sua mãe a seguiam pela casa enquanto tomava o café da manhã mais infeliz de sua vida.
Ao contrário, Selena negou a sentar na mesa para beber sequer um gole. Apenas roubou um biscoito para enganar o estômago e saiu de casa deixando sair um tchau como sussurro. O coração de Selena estava frio e palpitando no peito, um nó na garganta e os olhos caídos observando a calçada que caminhava. Ela segurava com força as alças de sua mochila tentando conter a raiva que sentia do mundo e de si mesma.
Olhando por cima dos ombros viu olhares de seus vizinhos e fuxicos. Era sobre ela, isso era mais que obvio. Não tinha o que fazer, depois da noite passado, Selena apenas tentaria cumprir o que seu pai lhe pediu. Não se intrometer na vida dos outros e após ver que pode ter acabado com sua família, forçaria a isso. Sem dúvidas.
Parou em frente ao colégio, abaixou até o chão e amarrou seu cadarço três vezes em um nó ensinado pelo seu pai — amarrava uma vez, duas... estava perfeito. Qual era o problema? Não queria entrar no colégio. Respirou fundo, arrumou as alças da mochila e atravessou a extensa avenida rumo a escadaria do colégio. Na entrada, encontrou mais olhares, as bochechas carnudas e lábios pequenos da guria não se intimidou, mas abriu um sorriso ao encontrar a única pessoa que a olhou com brilhos nos olhos. Seu amigo a beijou no rosto e ajudou Selena sair daquela zona da entrada.

— Está tudo bem? — Justin pergunta preocupado.
— Claro que não. Meu pai ficou furioso com que aconteceu. Não irei sair de casa tão cedo, disso tenho certeza. — Respondeu entre tosses. — Acho que estou doente!
— Seu pai nunca ficou tão bravo assim com você.
— É, pediu para que não me metesse em problemas alheios. — Revirou os olhos. — Justin, seja sincero comigo. Eu sou uma má pessoa?
— Claro que não. — Ele sorri. — Acho que você é inocente.
— Inocente? Como?
— Você percebe as coisas, pelo menos, algumas coisas em sua volta, mas não sabe lidar com todas elas. O mundo não preto e branco onde existe certo e errado, Selena. E você não repara no que deveria reparar, não deveria dizer o que vê.
— Uau, quanto tempo guardava isso? — Selena balançou a cabeça decepcionada. — Te vejo no intervalo!

Saiu andando pelo corredor sem olhar para trás, Justin a observou chateado com a reação da amiga — não era sua intenção magoa-la. Ele foi até seu armário e pegou seu material, mal sabia Selena que daria de cara com o colega antes do intervalo. Tinham aula juntos logo pela manhã. Seguiu a jovem até o segundo andar e sentou ao seu lado na sala.

— Esqueci que tínhamos química juntos. — Selena disse debochada. — Não sou inocente!
— Tudo bem....
— Não, estou falando sério. Não sou inocente, eu sei que o mundo é mais do que verdade ou mentira, apenas não concordo em viver numa hipocrisia como essa. Minha mãe mente, as pessoas mentem.... Pelo o que?
— Nunca teve nada a esconder? — Justin questiona.
— Não! — Responde imediatamente sem pensar. — Quer dizer, não tenho nada do que ter vergonha.
— Nem dessas folhas no seu cabelo? — O rapaz riu apontando.

Selena afastou da mesa e passou a mão nos seus cabelos lisos, retirou três pequenas folhas que morreram em sua mão. Ela jogou no chão.

— Acho que são da árvore que meu pai me deu.
— Ele deu uma árvore mesmo bravo?
— Acho que ele ia me dar antes.... Deu de qualquer maneira. — Fez pouco caso. — É pequena, está de enfeite no meu quarto.
— Pensei que era uma arvore grande para estar no seu cabelo.
— E eu pensei que apenas eu era a curiosa da cidade. — Selena forçou um sorriso.

Justin percebeu que Selena ainda estava brava, resolveu não insistir em incomodar. O professor de química entrou na sala. O karma era real, de fato. Selena bufou e viu mais uma folha caindo do seu cabelo, pegou na palma da mão e a assistiu morrer.

— Que saco! — Disse passando a mão pelo cabelo procurando mais.

***
Entrou dentro de casa e passou reto por sua mãe em silêncio.

— Não irá falar nada? — Brian analisou a filha de cima abaixo. — Educação?
— Dizer o que? Boa tarde? — Selena responde com desdém. — Boa tarde pais!

Arrasta sua bolsa pelo chão e entra no seu quarto surpresa. Estava sujo sua cômoda e chão cheio de flores na tonalidade marrom e seca. Selena revira os olhos e pega o vaso médio que regava a árvore saindo do quarto.

— Está merda está morta e sujou meu quarto! — Disse brava. — Jogar no lixo.

Os pais assistem a filha ir até o quintal dos fundos e depositar a arvore na grande lixeira. Ao entrar para dentro Selena cai no chão, geme de dor. Sua barriga estava pesada e mal conseguia sentir suas pernas. Brian pegou na cabeça da filha preocupado, lagrimas rolavam pelo rosto de Selena e de sua mãe Mandy — que ficava imóvel, sem nenhuma reação para ajudar.

— Brian, o que está acontecendo? — Mandy dizia.
— Não sei, não sei. — Responde desesperado. — Pegue a chave do carro, vamos levar ela no hospital. Selena, querida, tente falar comigo!

Selena olhou para o pai, um olhar piedoso misturado com lágrimas de dor e desespero. Mandy buscou a chave do carro enquanto Brian pegou a filha no colo indo em direção ao veículo. Os três entraram e dirigindo em desespero enquanto olhava pelo retrovisor, Mandy partiu para o hospital.
Parou na entrada do ponto socorro, Brian saiu com a filha em seus braços e a colocou na primeira maca que estava na sua frente. Dois médicos correram em sua direção para atender.

— O que aconteceu? — Um dos médicos, de meia idade, pergunta.
— Não sei, ela chegou em casa do colégio e caiu no chão de dor. Ela não tem nenhum problema.
— Iremos cuidar dela, fiquem aqui.

Selena encarava o dedo segurando seu abdômen, olhava para o teto branco do hospital passando rapidamente, vozes em sua volta. Ela fechou os olhos, teria desmaiado de dor.

***
Abriu os olhos e viu seus pais sentados no lado direito. Fechou novamente, o barulho da televisão a incomodava.

— O que aconteceu?

A mãe sorriu ao ver sua filha mais tranquila, a cena de terror ainda rondava a cabeça do casal. Brian correu pelo quarto do hospital e chamou os médicos que conversavam no corredor, segundos depois os três voltaram.

— Selena, como se sente? — O médico de meia idade pergunta curioso. — Melhor?
— Sim, bem melhor. O que houve?
— Conversamos com seus pais e não sabemos o que houve com você. Fizemos uma grande bateria de exames e não há nada anormal em seu corpo. Você sabe dizer o que houve?
— Estava entrando dentro de casa e.... cai. Uma dor insuportável como se.... Como se uma coisa bem pesada caísse sobre mim. — Selena conta passando a mão na sua barriga. — Ainda dói.
— Imagino que sim, deve ter sido uma dor insuportável. — Responde com um sorriso singelo. — Deixaremos você de observação essa noite, iremos investigar essa dor.
— Não acha que estou mentindo, acha?
— Existe dois tipos de mentira nesse hospital, Selena. Eu estou aqui há um bom tempo para afirmar que você não mentiu quando entrou aqui. — Sorriu. — Volto mais tarde.

Selena encostou na cama e passou a mão na sua barriga, levantou a blusa e estava normal, fisicamente normal, mas a sensação de que algo atravessou seu corpo mais cedo a deixava arrepiada. Fechou os olhos por alguns segundos.

— Filha.... — Sua mãe tenta pegar em sua mão. — Está tudo bem? Lembra do que houve?
— Está tudo bem! — Respondeu ríspida.
— Selena, sua mãe e eu conversamos nessa manhã. — Brian diz. — Quer saber o que conversamos?

Ele senta na ponta da cama e encara a filha. É claro que ela gostaria de saber.

— Muitos anos atrás, eu namorava outra mulher. De outra cidade de onde vim até que meu pai resolveu sair de lá e vir para casa, lembro de dizer que era o fim do mundo até que conheci sua mãe. A mulher mais linda que conheci e ainda assim não fui capaz de ficar apenas com ela, queria mais que ela. Não demorou muito para que as duas descobrissem a verdade e eu quis sua mãe, sempre a ela. Eu errei muito, mas não me arrependo de ter lutado pelo amor dela e termos feito você.... Com muito amor. Mas quando fui convocado pela primeira vez, nunca mais teve volta. Foi uma, duas.... Servi anos e anos, deixei sua mãe te criando sozinha e nunca poderia ter sido melhor. — Brian olha para Mandy. — Ela está infeliz e não a culpo, disse a ela que se quisesse.... Ficaria tudo bem.
— Quisesse outro homem? — Selena disse explicita. — E você outra mulher?
— Não temos mulheres no oriente médio. — Brian riu sozinho. — Mas sim, outro homem.
— É pior do que eu pensava. — Selena encolhe seu corpo longe dos pais.
— Selena, o que sabe sobre a vida? O que fez da sua vida até agora? Dezessete anos e coleciona fofocas e segredos, poderia fazer mais do que isso. Uma ótima observadora, sempre admirei isso em você, mas não é uma justiceira da verdade ou bons costumes.
— Oh, certo. Agora chegou o momento em que todos falam a mesma coisa.
— Talvez seja porque você já tenha ido longe demais, não acha? — Sua mãe rebate. — Filha, nós queremos o seu bem, o melhor para você.
— O que é melhor para mim? Ficar muda como querem!? Ou aceitar que meu pai achou normal ser corno ou todos que estão próximos mentem o tempo inteiro. Devo mentir também?
— Não estamos aqui para isso, na verdade, estamos aqui para o seu bem. Sua aprovação sobre minhas decisões pouco me interessa agora. — Brian alisa o rosto da filha. — Outras pessoas pensariam o mesmo, se você não as prejudicasse. Fique na sua com suas críticas.
Selena deixou escapar uma risada debocha que nem ela foi capaz de entender o porquê, mas apenas riu. Deitou na cama e buscou o controle remoto que passa às pressas pelos canais de tv aberta. Seus pais se entreolharam e a mãe foi embora para casa, mas seu pai a acompanharia.
— Irei deixar sua mãe no estacionamento.

Não respondeu nada e esperou saírem para desligar a televisão e fechar os olhos.
O sono leve deixava Selena alerta para os sons que o lado de fora de seu quarto fazia. Um estralo repentino e despertou de vez. Sua boca fez uma linha para baixo, os lábios finos caíram e os olhos se reviraram ao ver a maldita arvore no seu criado–mudo. O pai dormia profundamente numa poltrona pouco distante.
Alcançou o bilhete ao lado.

— “Gastando palavras sem motivos. Pouco a pouco seu direito de defesa vai sumindo. Use suas palavras sábias ou cala-se para sempre”. — Selena leu o recado e riu. — Péssimo poema, papai. — Amaçou e jogou perto da árvore que despejava folhas pelo chão.

Vendo as folhas verdes caírem no chão deixou Selena pensativa, mas estava escuro demais e seu remédio a deixava sonolenta. Virou para o outro lado e dormiu.

***
— Nada! Tenho nada. Até parece que fui ao hospital porque não queria ir ao colégio!
— Ninguém vai pensar isso, querida.
— Danem-se o que pensam, não foi isso que disse, papai!?
— O que vai fazer agora?
— Repousar como médico pediu. — Analisou a casa vazia. — Irei para meu quarto.
— Sua árvore. — Brian esticou o braço com o vaso.
— Eu não quero isso, não sei onde tirou que queria uma árvore caseira nesse momento.
— Não fui eu quem te deu. — Brian riu e colocou em cima da mesa. — Você pediu por ela.
— Pedi?
— Quando passou mal quando estávamos a caminho do hospital. — Brian explicou. — “Pegue minha árvore”. — Sorriu para filha. — Foram suas palavras, Selena. Se quiser, jogue fora novamente.

Selena revirou os olhos pegando o vaso em sua frente, foi direto para seu quarto e a colocou onde encontrou pela primeira vez — em cima do seu pequeno criado. A garota sentou na cama em uma pequena distância do objeto e o encarou com certa desconfiança.

— Pedi por você.... — Balançou a cabeça decepcionada.

Para sua surpresa, mais folhas caíram no chão. Selena pôde reparar ela se desfazendo da sua raiz e caindo no chão enquanto morria com rapidez. Não era porque Selena não gostava de natureza ou algo assim, muito pelo contrário, Biologia era sua matéria favorita e ela sabia que uma folha ao cair não morria dessa maneira.

— Então.... — Mais uma folha caiu. — Você tem vida própria. — Mais quatro. — O que quer?

Mais três folhas flutuaram pelo chão e caíram em seus pés. Selena pegou uma folha seca e marrom, já morta.  Aproximou a folha do seu rosto e viu a palavra “cuidado”, deu um pulo e se afastou. Congelou por alguns instantes. Pegou outra folha com “diz”, ela juntou todas que tinham caído no chão naquele momento. “Cuidado”, “diz” “com” e “o que”, no verso de uma folha tinha “682 palavras”. Sentou no chão e organizou as palavras solta e formou uma única frase compreendido.

— Cuidado com o que diz. — Selena leu e mais cinco caíram, ela pegou a última no ar. — Agora quinhentos e setenta e sete palavras. — Mais cinco.

A garota ficou imóvel encarando a pequena árvore acima dela, a respiração pesada.

— Palavras... — Outra caiu. — Mais duas.... — Assim caíram outras duas.

Selena respirou fundo e sentiu sua pressão cair. Tinha entendido tudo! A árvore, as coisas que estavam acontecendo. Estava conectada a uma coisa que.... Que contava suas palavras! Como isso era possível? Como isso aconteceu?!
A garota juntou as folhas e colocou na sua escrivaninha e virou sua atenção para a árvore, arrancou uma folha e

— AÍ! — Levou sua mão para o couro cabelo, a sensação era que tivessem o puxado. — Está certo plantinha, qual é o seu mistério? Somos a mesma pessoa agora? — Contáveis folhas voaram pelo quarto, Selena sentia sua garganta arranhar. — Que se dane!

Pegou o vaso pelo tronco e arrastou pela casa até o quintal, jogou a árvore no chão e caiu junto numa escorregada só. Seus olhos encheram de lágrimas, mas eram de raiva. Dizer que estava conectada com uma planta era coisa de louco, no mínimo. Ela sentou no gramado com as pernas abertas esperando que a dor do tombo passasse. O sol forte foi sumindo e sentiu uma mão firme pegar em seu ombro.

— Quem é você? — Selena perguntou ao ver uma face desconhecida. Era um rosto feminino, com traços marcantes e serenos. Colocou a mão na boca da garota.
— Não diga nada mais. Nessa altura já deveria perceber que não deve gastar suas palavras com bobeiras, já gastou muitas delas. O que fez, Selena.... É preciso saber que a vida é muito maior do que a sua verdade, você tem coisas a dizer, coisas certas! Coisas para fazer, coisas boas. Aproveite e faça o bom.
— Quem é você?
— Seu pai. — Brian aproximou-se rindo. — Trouxe biscoitos.

Selena olhou seu pai com os olhos arregalados. Não disse nada, apenas pegou um e comeu com rapidez. Levantou com sua árvore — estava intacta, nem parecia que tinha sido arremessada. Ao entrar no seu quarto, deitou na cama com a planta em seus braços. Pensativa, Selena pensava consigo mesmo o que tinha acontecido até ali. Suas palavras estavam contadas, uma misteriosa mulher conselheira, sua conexão com uma mini árvore. O que de mal iria acontecer até o fim desse dia? Lembrou do primeiro bilhete “cale–se para sempre”, tinha riscos de ficar muda? Oh, que mal tinha feito?! Questionando a si mesmo, Selena engoliu a saliva e fechou os olhos adormecendo.
Foi a claridade que despertou Selena naquele sábado, o relógio apontava ser 9h da manhã, a roupa suja de terra com que dormiu estava fedida, mas ao ver seu vestido para o baile anual da escola que aconteceria amanhã a deixou animada. Era lindo, uma costura que a deixava na sua melhor forma e feito pela sua mãe com muito trabalho. Sem dúvidas, magnifico!
Trocou de roupa, prendeu seu cabelo em um rabo de cavalo e foi cumprimentar os pais com um aceno, sentou–se no seu lugar na mesa e beliscou um pedaço de torrada com goiabada.

— Gostou do vestido? — Sua mãe perguntou receosa.

Selena pensou em ignorar, mas seria antiquado fazer isso. Nem lembrava mais do que sentia tanta raiva, mas não sabia as regras do seu novo jogo do silêncio. Ela desejou que sua mãe não a amasse tanto e que seus pais não a encarassem tanto implorando por respostas.

— Uh.... — Limpou a garganta. — Estou um pouco rouca. — Mentiu com um leve sorriso. — O vestido é maravilhoso, realmente maravilhoso! Obrigada, mamãe.

Ao terminar de comer, Selena voltou para seu quarto e recolheu as folhas que tinham caído, ela contou e parecia não ter feito diferença. A árvore já estava mais vazia do que cheia quando a viu pela primeira vez. Decida que não perderia mais nenhuma atoa até poder fazer algo.... Selena não sabia se algo poderia ser feito diante disso. Por fim, decidiu ficar em casa e não se desgastar na rua com palavras inúteis.
Deitou na cama com a árvore ao seu lado e um livro que vinha enrolando desde que o pegou na biblioteca apreciando a companhia de seu novo cônjuge. Quieta, as horas foram passando com lentidão. A porta do seu quarto se abriu e Selena sentou–se, abriu um pequeno sorriso.

— Seus pais me deixaram entrar. — Avisou Justin em uma surpresa. — Como está?
Respondeu que sim com a cabeça e voltou sua atenção ao livro.
— Você me deu um susto e tanto com a notícia, espero que tenha melhorado a dor. — Disse. — É claro, podemos cancelar o baile amanhã se não estiver bem. Você sabe, é bobeira essa coisa toda. — Riu.

O silêncio perpetuou no quarto fazendo com que Justin sentisse certo incomodo no ambiente. Ele olhou em volta e viu o vestido pendurado em um cabide.

— Oh, é lindo Selena. — Disse com os olhos brilhando. — Combina com você.

Afirmou com a cabeça sem dizer nada.

— Está tudo bem mesmo? Está quieta desde que conversamos.... Se for sobre aquela conversa, saiba que eu não falei nada por mal. Apenas quero que você viva sua vida de uma maneira melhor, Selena. Essas coisas, essas meninas.... Não são para você.

— Justin! — Selena se arrependeu no minuto que chamou sua atenção. — Só pare!
— O que aconteceu?

A cabeça da Selena parecia uma máquina — calculando cada palavra, cada ação. Ela suspirou e ficou muda.

— Não percebe? — Justin deu de ombros. — Estou aqui por você e.... esquece.

Ele parou na porta, imaginava que Selena corria atrás dele, mas ela não fez. Para fazer isso, Selena precisa de usar palavras e isso... ela não poderia.

— Se não quiser ir comigo amanhã, tudo bem. Posso ir sozinho.

Ela voltou sua atenção ao livro até que Justin saísse, finalmente. Sentia seu coração acelerado, tinha acabado de perder seu único amigo e aliado. Pelo silêncio. Fechou o livro e colocou seu travesseiro no rosto para abafar o grito de raiva. Felizmente, nenhuma folha caiu.

***
Selena contava mentalmente as folhas restantes, o número era quase o mesmo. Não ganhou nenhum crédito por ter se comportado nos últimos dois dias. Desistiu de ir ao baile, Justin tinha oficialmente dispensado ela por mensagens. Ela também não respondeu porque descobriu que suas mensagens contam como palavras. Um “ok” foi o máximo que pode escrever para Justin.
Passou o fim de sábado e a manhã de domingo no quarto olhando para a janela pensando no que faria. Ela passaria o resto de sua medíocre vida contando palavras? Ao menos no final descobriria o porquê do castigo? Qual o bem que ela poderia fazer nessa altura? Tudo que ela fez em nome do justo e correto lhe parece que foi um erro de perspectiva.

— Saco de vida! — Disse sem arrependimentos, folhas caíram. — Talvez eu aprenda línguas de sinais quando vocês terminarem de cair. — Continuou sem se importar.

Por um minuto, Selena paralisou seus olhos para a árvore.

— Se todas caírem....

Fechou os olhos por alguns minutos pensativa. Qual era o objetivo de tudo aquilo, afinal?

— Ela não saiu do quarto ainda? — Ouviu seu pai questionar no lado de fora.
— Apenas para comer alguma coisa. Acho que ainda está com dor. — A mãe responde.

Selena ri sozinha e revirou-se pela cama. Dor! Quem sentiu mais dor? Ela ou a árvore que arremessou no lixo e voltou para lá.
O céu foi escurecendo e uma leve brisa deixou Selena mais quieta — o sol a estressava de certa maneira. Olhava seu vestido uma vez ou outra, levou um susto ao sentir seu celular vibrar — era mensagens de Justin.

“Espero ver você essa noite! Soube que ganhará rainha do baile. Minha mãe gostaria de que fosse minha companhia. E eu também, é claro”

Selena riu ao ler as mensagens, respirou fundo enquanto encarava o vestido.
Ela sabia o que fazer, mas não queria.
Levantou a árvore em seu colo e contou as folhas que tinham. Demorou um bom tempo e não tinha o número exato, mas lhe restavam cerca de quatrocentas folhas. Quatrocentas palavras. Ela finalmente levantou da cama e vestiu um short jeans e uma camiseta larga, olhou para a árvore mais uma vez.
Abriu a porta do seu quarto e seus pais estavam na sala assistindo televisão abraços um ao outro, mas assim que viram Selena mudaram de posição prestando atenção na filha.

— Está bem, filha? — A mãe perguntou.
— Sim! — Seus olhos fecharam, sabia que mais uma folha tinha caído. — Tenho que dizer algumas coisas para vocês. É importante que escutem o que digo uma vez porque eu não posso repetir por bobeira.

Selena tossiu algumas vezes.

— Não sei o que vai acontecer depois que elas acabarem, mas minhas últimas palavras para vocês são: Mãe, eu te amo tanto que eu não dei valor em te falar isso, nunca te odiei, talvez tivesse raiva de viver com você sozinha e nunca ter culpado a ausência do meu pai em outra pessoa. Tudo que fez por mim e continua a fazer, eu não sei o que faria sem a você. Peço desculpas pelo o que disse antes, pelo o que fiz.... Eu via como você se sentia sozinha e quis te culpar por coisas que não deveria. Sinto muito por isso e por ter dito quando é tarde demais, eu te amo muito! E pai, você sabe o quanto é importante para mim e tudo que vocês me ensinaram, eu não quis aprender. Eu fui tão orgulhosa, tão idiota! Idiota! O que eu fiz para outras pessoas.... Não faço ideia do porquê ter feito, apenas queria que todos vissem uma verdade como eu via. O que eu achava que era errado. Apenas eu quero que saibam que eu aprecio vocês de uma maneira que eu sou incapaz de colocar em palavras. Eu amo vocês.
— Selena, minha filha, o que quer dizer com árvore?
— Papai, não me interrompa. Já disse o que é, acredite em mim! Vai chegar em um momento que eu não sei o que vai acontecer e será hoje. Apenas entendam o que eu digo, eu amo vocês e me perdoem por ter sido maldosa muitas vezes. Me perdoem!
Selena abraçou seus pais, colocou seu celular no bolso e foi em direção a porta.
— Aonde vai?
— Preciso falar com outras pessoas.

Selena já tinha perdido as contas das palavras que disse, mas estava determinada a terminar essa noite — pelo seu próprio bem ou mal. A brisa gostosa penetra na pele de Selena e fazia seus cabelos voarem ao começar a correr pela rua deserta.
A escola não era muito longe, estava iluminada e cheia de pessoas no lado de fora conversando, Selena passou correndo por todas elas e continuou correndo pelo corredor enquanto todos os outros alunos a olhava estranhando — sua correria, sua roupa. Selena ignorou a todos e ao entrar no salão escuro parou por alguns segundos.

— Agora a rainha do baile. Foram indicadas três garotas que chamaram atenção nesse ano. As indicadas foram: Miley Cyrus, Annalise Duarte e Selena Gomez. — Um aluno anunciou gritando no microfone já bêbado. — Vamos fazer suspense. — Todos riram.

Selena respirou fundo e tentou encontrar Justin, mas o salão lotou ainda mais de alunos e as luzes apagadas, música alta a impedia de acha–lo.

— Selena Gomez! — Anunciou. — Cadê a nossa Selena “faladeira” Gomez.

Muitos que estavam em sua volta a olhou, alguns sorriam e outros a abominavam — alguns que Selena chegou a expor. Ela abaixou a cabeça e caminhou pelo salão com os alunos abrindo espaço.

— Ela está vindo, pessoal. Selena veste uma roupa comum, sem nenhum vestido de gala.
— Cala a boca. — Selena disse um pouco nervosa com o sarro.

Ela recebeu um coroa e o microfone na mão.

— É bizarro que eu levo nome de fofoqueira, mas vocês me elegem como rainha do baile. Não há nada de hipócrita nisso? — Selena ri sozinha. — Quero usar essa oportunidade de pedir desculpas pelo o que eu fiz para todos, desde professores aos alunos. Ninguém é obrigado a me desculpar e minhas palavras não serão o suficiente para corrigir o que aconteceu, os danos que causei. Mas elas são sinceras! A todos que eu disse o que não deveria, sendo verdade ou não, não era da minha conta. Então.... Me desculpem.

Selena entregou o microfone para o mesmo rapaz e todos permaneceram em silêncio, não tiveram coragem de aplaudir ou vaiar, estavam chocados. A garota jogou seu cabelo para frente, as bochechas vermelhas de vergonha, os olhos zonzos. Caminhou para a saída da escola em silêncio.
Na rua, Selena parou por alguns segundos e observou as árvores balançando com o vento. Nunca tinha reparado nos seus movimentos sincrônicos, ela bufou e desceu os degraus, mas puxaram seu braço.

— Saindo depois desse discurso? Sem falar comigo? O que eu te fiz Selena?

Ela sorriu ao ver Justin com os olhos arregalados de preocupação. Ela parou na escada e respirou fundo.

— Não me resta muito tempo. — Pegou no rosto dele. — Justin, eu sei que você é no mínimo apaixonado por mim. Sempre soube, mas você é meu amigo e eu nunca quis estragar isso, mas já estraguei! Nunca disse como me sentia, acho que me faltava coragem, mas eu te..

A palavra não saiu, Selena tentou falar novamente e novamente. Outra coisa. Nenhum outro som saia da sua boca. Justin a olhou e Selena ficou sem reação. Colocou a mão na sua garganta. Nenhum som. Nenhuma palavra.
Olhou para Justin e abriu um sincero sorriso. Ele sabia o que ela queria dizer, é claro, Selena esperava falar isso, pelo menos, uma vez em voz alta. Com um selinho longo, Selena soltou a mão do rapaz e saiu correndo.
Sentia-se tonta com a situação, tropeçou algumas vezes no caminho e reparou que as árvores balançam no sentido que corria, sincronizados a Selena. Ao entrar na sua casa, seus pais já não estavam, ela seguiu para o seu quarto em desespero.
Ofegante e com o peito apertado, Selena olhou para o chão do seu quarto com todas as folhas no chão e o tronco fraco, escuro e seco. Selena encarou a árvore e quando os troncos caíram da raiz, Selena também caiu. De uma vez.

6 comentários:

  1. Seu eu amei esse plot meu amor?????? EU AMEI MUITO!
    Primeiro que nem sei o que falar sobre, porque tudo o que eu achava que esse conto seria ele foi o contrário. Eu JURAVA que ia ter lição de moral e que a Selena iria aprender com os próprios erros MAS TU SIMPLESMENTE MATOU A GAROTAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA. Ai Mirela o que eu vou fazer com você??????
    Novamente eu quero elogiar mto a escrita e a história que, querendo ou não, nos dá uma lição de moral sim. Enfim, eu n tenho palavras para dizer o quanto admiro e sou fã pq vc já sabe disso tudo.
    Posta mais, posta logo tudo
    te amo, love u, n sei mais falar te amo em outras linguas.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. SURTO! CRISE! ME AJUDA!
      Fico feliz que tenha gostado. Eu disse que você poderia ficar surpresa com o final e ficou.
      Demorei UM ANO para escrever essa fanfic. Achei até que meu computador tinha datado errado, mas UM ANO. Tinha que surpreender, não é?
      Eu dando lição de moral através de estorias me sinto o próprio Machado de Assis haha.
      Sabe que estou preparando algo já.
      Te amo muito, I Love You, Amo-te, T'estimo e Ti amo porque estou aprendendo italiano agora.
      Beijos, Mirela.

      Excluir
  2. mto bom
    triste pela selena ter morrido antes de falar com o justin achei que ela conseguiria

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Fico feliz que tenha gostado.
      É, infelizmente não conseguiu :(
      Beijos, Mirela.

      Excluir
  3. pensei que ela conseguiria no final mas morreu
    adorei a lição de moral da fic temos que cuidar da nossa vida e pronto Selena mereceu o castigo pelo que fiz com a demi coitada

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Fico feliz que tenha gostado. Tanto da estoria quanto da lição de vida que coloquei, eu acho interessante esse tipo de construção.
      De fato, ela mereceu o castigo, mas será que mereceu morrer por ele!?
      Sim, eu fiquei triste com a Demi também haha :(
      Beijos, Mirela.

      Excluir

LAYOUT E CODIFICAÇÃO POR ROH A. RAMOS DO BLOG | GNMH © 2017 - 2018